Dentre os países de baixa e média renda (PBMRs), os países da África Subsaariana têm as mais rápidas taxas de crescimentode pessoas idosas (Alzheimer's Disease International, 2017). No Quênia, a população de pessoas com 60 anos ou mais era de 4,3% em 2017. Espera-se que chegue a 10,6% em 2050 (Nações Unidas, 2017). Atualmente, não há estimativas oficiais para o número de pessoas que vivem com demência no país, mas estima-se que possa haver mais de 86.000 pessoas vivendo com esta condição, e que este número mais que quadruplique para 361.000 até 2050 (GBD 2019 Dementia Forecasting Collaborators, 2022).
No Quênia, a demência é vista como uma “doença europeia”. Como tal, muitas pessoas que vivem com esta condicao não procuram um diagnóstico ou apoio. Aquelas pessoas que buscam o diagnóstico são atendidas por sistemas de saúde sobrecarregados, além de se depararem com pouco conhecimento ou pouca informação sobre demência nesses sistemas. Como resultado, as pessoas que vivem com demência e seus familiares cuidadores podem se sentir perdidos e desiludidos ao ingressarem nestes servicos.Na comunidade, os sintomas associados à demência tendem a ser minimizados e vistos como sendo apenas parte do envelhecimento natural. Quando os sintomas são reconhecidos, as terminologias usadas (por exemplo, Thing'ai'/Thinking high1) podem perpetuar mitos negativos e percepções errôneas sobre a demência.
Todos esses fatores contribuem para a existência do estigma nos níveis individual, comunitário e social no Quênia. Entrevistas com pessoas que vivem com demência e seus familiares cuidadores revelam muitos casos de estigma público, discriminação e estereótipos negativos.
1Um termo associado a pessoas que vão para a cidade para ganhar dinheiro, mas retornam ao ambiente rural na aposentadoria e ficam socialmente isoladas.
Está claro que há um profundo efeito do estigma na vida das pessoas que vivem com demência e seus familiares cuidadores no Quênia. E é importante reconhecer que aqueles que vivenciam estigma e discriminação tem uma opiniao a respeito disso – eles só precisam ser perguntados quanto a suas experiências e visões. Nossa consulta com pessoas que vivem com demência e seus familiares cuidadores no Quênia descobriu que eles reconhecem que a conscientização em demência é fundamental para lidar com o estigma, e isso aconteceu por meio da criação de um diálogo dentro das comunidades.
Desenvolvendo a intervenção em conjunto com pessoas que vivem com demência, familiares cuidadores e membros da comunidade local
Para desenvolver uma intervenção anti-estigma na zona rural do Quênia, começamos trabalhando em conjunto com a comunidade, em particular as pessoas que vivem com demência e seus familiares cuidadores, para entender perspectivas, recursos e metas importantes para reduzir o estigma. Isso primeiro envolveu negociar com o líder local a entrada na comunidade. Em seguida, realizamos uma série de discussões em grupos focais e entrevistas com pessoas que vivem com demência, familiares cuidadores, profissionais de saúde e membros do público geral.
Essas discussões nos ajudaram a compreender conhecimentos, atitudes e comportamentos existentes em relação às pessoas que vivem com demência e seus familiares cuidadores; experiências de estigma e discriminação; linguagem local em torno da demência; práticas atuais para promover inclusão e ideias sobre como reduzir o estigma e empoderar as pessoas que vivem com demência e seus familiares cuidadores.
Formulamos o formato da intervenção e implementacao com base nesses diálogos. Nossa intervenção foi ainda basada nas abordagens baseadas em evidências existentes para reduzir o estigma (por exemplo, integrando o contato social) e a experiência local sobre a realização de intervenções comunitárias. Por exemplo, usamos uma abordagem de 'treinar o treinador' junto com agentes comunitários de saúde, o que nos permitiu aumentar o envolvimento de parceiros locais na execução da intervenção.
Desenvolvemos vídeos de 'contato social' onde as pessoas que vivem com demência e seus familiares cuidadores compartilharam histórias pessoais de demência, suas experiências de estigma e estratégias de enfrentamento. Buscamos mais feedback sobre alguns detalhes práticos relacionados ao formato de vídeos, implementacao, e número de sessoes e participantes com o intuito de obter informações para refinarmos a intervenção.
Visão geral dos componentes de intervenção anti-estigma do Quênia
No estudo piloto, medimos as atitudes em relação à demência antes e um mês após a intervenção ser implementada ao público geral. Isso foi complementado por entrevistas qualitativas.
Entre o público em geral que participou do estudo piloto, os resultados destacaram a melhoria do conhecimento e das atitudes em relação às pessoas que vivem com demência e seus familiares cuidadores.
Esses achados foram apoiados por feedback qualitativo, demonstrando que a intervenção foi bem-sucedida em melhorar o conhecimento e reduzir crenças estigmatizantes:
O que mais me impressionou sobre a demência é que é uma doença. Com o tempo, acreditávamos que não era uma doença. [Inicialmente] Pensávamos que as pessoas tinham sido enfeitiçadas ou eram simplesmente tolas.
Aprendi [com a intervenção] que posso confiar nessa pessoa para me ajudar [em certas atividades]. Por exemplo, ao preparar comida, ele poderia me ajudar a separar os milhos e as ervilhas ruins das boas.
Costumávamos pensar que as pessoas que vivem com demência estão enfrentando consequências por suas más ações, mas agora sei que não é o caso.
Após o treinamento, aprendi que preciso saber dele o que ele prefere comer. Então agora a vida não é tão difícil como era antes. Agora é mais fácil cuidar dele e apoiá-lo.
Alzheimer’s Disease International. (2017). Dementia in sub-Saharan Africa: Challenges and opportunities.
GBD 2019 Dementia Forecasting Collaborators. (2022). Estimation of the global prevalence of dementia in 2019 and forecasted prevalence in 2050: An analysis for the Global Burden of Disease Study 2019. The Lancet. Public Health, 7(2), e105.https://doi.org/10.1016/S2468-2667(21)00249-8
United Nations. (2017). World Population Ageing 2017—Highlights (ST/ESA/SER.A/397). Department of Economic and Social Affairs Population Division.